Celebramos a vida, não a morte. O dia de Todos os Fiéis Defuntos está impregnado de um sentimento religioso com fé e esperança cristãs. Por este motivo suscitou desde sempre um profundo eco no povo de Deus. Antes de prosseguir, digamos que hoje celebramos a vida e não a morte. A religião cristã não celebra o culto à morte, mas à vida. Assim o realça a liturgia da palavra de hoje com as suas múltiplas leituras e orações da mis­sa. Todo o conjunto fala-nos de ressurreição e da vida; e a refe­rência onipresente é a ressurreição de Cristo, de que o cristão participa pelos sacramentos.
Por isso, este dia dois de Novembro não é uma comemoração para a tristeza nostálgica e a melancolia outonal, com saudades dos seres queridos que nos deixaram, mas uma recordação es­perançada que expressa e continua a comunhão dos santos que ontem celebrávamos. Pois «a fé oferece-nos a possibilidade de uma comunhão com os nossos queridos irmãos já falecidos, dando-nos a esperança de que possuem_ já em Deus, a vida ver­dadeira» (GS 18). A visita ao cemitério - que etimologicamente significa dormitório -, refrescando-nos a memória dos familia­res que «adormeceram no senhor», segundo a antiga expressão cristã, afasta-nos da amargura sem esperança.
A morte é um dado da experiência que temos sempre diante dos olhos. A morte biológica, o seu anúncio paulatino na doen­ça e na velhice, a sua presença brutal nos acidentes e nas catás­trofes, e a sua manifestação em tudo o que é negação da vida, devido à violação da dignidade e dos direitos da pessoa, consti­tui o mais dilacerante dos problemas humanos, o enigma máxi­mo da vida humana. Vida sem limite temporal é a mais profun­da aspiração que temos dentro de nós. Como a morte, cedo ou tarde, sempre chega, sentimo-nos intimamente frustrados se não tivermos uma explicação satisfatória para este paradoxo e enigma que é morte de um ser criado para a vida.
Cristo ressuscitado é a melhor e a única resposta válida à pergunta sobre a morte. Toda a vida do cristão tem relação com Cristo e com o seu mistério pascal de vida através, paradoxal­mente, da morte. Jesus é a razão última do nosso viver, morrer e esperar como cristãos. Posto que Ele Se fez igual a nós, em tudo, também passou pela morte para alcançar a vida eterna. Esse é o itinerário que o seu discípulo tem de percorrer.
A esperança cristã da ressurreição e vida sem fim vincula-se e fundamenta-se diretamente na ressurreição de Jesus. Se a nossa esperança em Cristo acabasse com a vida presente, sería­mos os homens mais infelizes, comenta São Paulo. Mas não! Cristo ressuscitou de entre os mortos: foi o primeiro de todos. E nós estamos incorporados n'Ele, na sua morte e ressurreição, por meio do Batismo e dos outros sacramentos da religião cris­tã, especialmente a Eucaristia que nos alimenta com o pão da vida que é Cristo, como Ele próprio disse.
Tudo revalida a afirmação de Jesus, momentos antes de rea­lizar a ressurreição do seu amigo Lázaro: «Eu sou a ressurreição e a vida; aquele que crê em Mim, ainda que tenha morrido vive­rá; e aquele que vive e crê em Mim, nunca morrerá» (Jo 11,25s). O crente sente-se salvo por Cristo, liberto do pecado e da sua conseqüência, a morte. Esta libertação não é biológica, pois também Cristo morreu como homem que era, mas da escra­vidão opressora da morte e do medo dela, do absurdo de uma vi­da entendida como paixão inútil que acaba nas trevas do nada.
Bendizemos a Deus na fé porque graças a Cristo ressuscitado não somos seres para a morte, mas para a vida com o Senhor, já agora e no futuro. O nosso Deus não é um Deus de mortos, mas de vivos, afirmou Jesus. Hoje é dia de reavivar com alegria a nossa esperança cristã e proclamar integralmente aquele artigo de fé do credo: «Espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir».
Hoje bendiz-Te o nosso coração, Pai, Deus da vida, porque, em Jesus Cristo, vencedor do pecado e da morte, vemos que o fim do nosso caminho é a vida contigo. Em Jesus radica a nossa esperança de vida sem fim, porque é ressurreição e vida para todo o que n 'Ele crê.
Assim, a vida dos que crêem em Ti, Senhor, não termina, transforma-se; e, ao desfazer-se a nossa morada terrena, adquirimos outra mansão eterna para viver sempre ao teu lado.
Bendito seja Senhor! Faz que o nosso contato com Cristo pela sua palavra, pela fé e pelos sacramentos, despertou gesto criador que dá vida ao homem para sempre. Amém.